quinta-feira, 11 de outubro de 2007

"Chico Buarque - Geni E O Zepelin"

Para estrear no Blog, nada melhor que falar sobre um dos assuntos que mais gosto: Música!


"Chico Buarque - Geni E O Zepelin"

"De tudo que é nego torto
Do mangue e do cais do porto
Ela já foi namorada
O seu corpo é dos errantes
Dos cegos, dos retirantes
É de quem não tem mais nada
Dá-se assim desde menina
Na garagem, na cantina
Atrás do tanque, no mato
É a rainha dos detentos
Das loucas, dos lazarentos
Dos moleques do internato
E também vai amiúde
Co'os velhinhos sem saúde
E as viúvas sem porvir
Ela é um poço de bondade
E é por isso que a cidade
Vive sempre a repetir"


Bem, na primeira parte, o autor nos mostra a personalidade de Geni, mas não de forma pejorativa. Tanto que ele chega ao ponto de compará-la a um poço de bondade.

"Joga pedra na Geni
Joga pedra na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni"


Notem que ela era um poço de bondade. Mas quando o autor fala: "E é por isso que a cidade/ Vive sempre a repetir" É que entram os termos pejorativos. Mas quem seria essa cidade?

"Um dia surgiu, brilhante
Entre as nuvens, flutuante
Um enorme zepelin
Pairou sobre os edifícios
Abriu dois mil orifícios
Com dois mil canhões assim
A cidade apavorada
Se quedou paralisada
Pronta pra virar geléia
Mas do zepelim gigante
Desceu o seu comandante
Dizendo - Mudei de idéia
- Quando vi nesta cidade
- Tanto horror e iniqüidade
- Resolvi tudo explodir
- Mas posso evitar o drama
- Se aquela formosa dama
- Esta noite me servir"


E a situação se repetia, até que surgiu na cidade, uma "força superior" , representada pelo "Enorme Zepelin". E diz seu comandante: "- Quando vi nesta cidade/ - Tanto horror e iniqüidade/ - Resolvi tudo explodir/ - Mas posso evitar o drama /- Se aquela formosa dama /- Esta noite me servir"
Será que o " horror e a iniqüidade" provinham da "Formosa" dama Geni? Ou daquela cidade? Claro que da cidade!

"Essa dama era Geni
Mas não pode ser Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um
Maldita Geni"

A "cidade" se expressa de novo, se mostrando incrédula quanto à escolha do comandante pela "suja" Geni. "Maldita Geni"

"Mas de fato, logo ela
Tão coitada e tão singela
Cativara o forasteiro
O guerreiro tão vistoso
Tão temido e poderoso
Era dela, prisioneiro
Acontece que a donzela
- e isso era segredo dela
Também tinha seus caprichos
E a deitar com homem tão nobre
Tão cheirando a brilho e a cobre
Preferia amar com os bichos
Ao ouvir tal heresia
A cidade em romaria
Foi beijar a sua mão
O prefeito de joelhos
O bispo de olhos vermelhos
E o banqueiro com um milhão"

Geni, que se dava a qualquer um, mostrou-se contrária à idéia de deitar-se com o comandante cheio de poder. Agora vem a parte que mais gosto. Qual é um dos maiores sinais de respeito que podemos demonstrar? Beijar a mão de outra pessoa. Imaginem agora, a cidade que tanto a humilhava, ir, em romaria, beijar a mão da Geni. Inclusive o autor mostra os três poderes mais importantes se curvando a Geni:
"O prefeito de joelhos" Poder político;
"O bispo de olhoes vermelhos" Poder religioso;
"E o banqueiro com um milhão" Poder econômico.

"Vai com ele, vai Geni
Vai com ele, vai Geni
Você pode nos salvar
Você vai nos redimir
Você dá pra qualquer um
Bendita Geni"

Primeira vez que a cidade se mostra favorável à figura de Geni. Neste ponto percebemos que sempre que o coro canta, é a cidade que se exprime. Nesse ponto Geni passa de MALdita, a BENdita.

"Foram tantos os pedidos
Tão sinceros, tão sentidos
Que ela dominou seu asco
Nessa noite lancinante
Entregou-se a tal amante
Como quem dá-se ao carrasco
Ele fez tanta sujeira
Lambuzou-se a noite inteira
Até ficar saciado
E nem bem amanhecia
Partiu numa nuvem fria
Com seu zepelim prateado
Num suspiro aliviado
Ela se virou de tentou até sorrir
Mas logo raiou o dia
E a cidade em cantoria
Não deixou ela dormir"


PARA o narrador/Geni, os pedidos foram realmente sinceros. O autor mostra o poder como algo sujo, pelo trato do comandante a Geni durante a noite. Depois de seu sacrifício, Geni tenta descansar, mas volta a cidade e diz:

"Joga pedra na Geni
Joga bosta na Geni
Ela é feita pra apanhar
Ela é boa de cuspir
Ela dá pra qualquer um Maldita Geni"


E volta a ordem natural das coisas. Geni perde o status de "santa", e volta ser humilhada.
O que mostra a história, senão a falta de compreensão dos poderosos em relação às classes mais populares? A falta de memória e gratidão dos poderosos com quem os ajuda? A sujeira que ronda o poder.

Claro, que como composição excepcional que é, "Geni e o Zepelin" pode gerar várias outras interpretações. Mas opto por essa pela atualidade que ela causa, fazendo menção aos políticos que nas eleições necessitam dos eleitores, mas depois que se elegem fazem as "sujeiras" que bem entendem.

Por hoje é isso, pessoal! Espero voltar em breve...

11 comentários:

Anônimo disse...

Música admirável, interpretação idem. Bom conhecer mais um pouco de vocês, menino. Parabéns pelo blog! Beijos recitados

Anônimo disse...

Matheus!
Marina me mostrou teu blog... adorei!
Muito massa mesmo teus textos!
Beijos!
=**

Diego Scarano disse...

Linda música.
Bela interpretação.

MARIO XAVIER disse...

Essa música é formidável como qualquer outra composição do chico. são características marcantes das composições dele, as críticas contra ao nosso sistema corrupto e a subliminaridade das suas mensagens que não importa a quanto tempo foram escritas; estão sempre muito atuais. a interpretação está excelente, mas, vc esqueceu de mencionar que segundo o autor Geni era virgem ("Acontece que a donzela
– e isso era segredo dela
Também tinha seus caprichos"), uma apologia ao seu caráter irrefutável; e seu corpo estava apenas disponível aos desfavorecidos( velhinhos, viuvas, orfãos, cegos, errantes...), o que mostra a grande preocupação pelo social.Chega até a lembrar um pouco a missão de Jesus Cristo que era sempre visto na companhia de bêbados, cegos, enfermos dos mais diversos tipos, publicanos, prostitutas, adulteras, e através do sacrifício do seu corpo redimiu toda a humanidade quando Deus já estava disposto a explodir tudo graças ao horror e à iniquidade da raça humana. E a exemplo de Cristo, a personagem Geni não teve o devido reconhecimento;passado o perigo, esquece-se o heroi.

FABIO SILVA disse...

PERCEBO QUE MARIO CHAVIER VÊ A SIMBOLOGIA DESTA LETRA,REALMENTE GENI ERA VIRGEM, MAS A "CIDADE" DIFAMA SUA INTEGRIDADE E ATE HOJE FAZ ISSO. MAS MARIO, GENI NAO É JESUS, EMBORA ELE ESTEJA NESTA LETRA, MAS EM OUTRO PERSONAGEM "MAS DO ZEPILIM GIGANTE DESCEU O SEU COMANDANTE" ESSE COMANDANTE É QUE É JESUS, E GENI NA VERDADE É UMA MULHER QUE A "CIDADE" A IGREJA CATOLICA A DIFAMOU E DEU UM NOVO RUMO PARA SEU PERSONAGEM, GENI É MARIA MADALENA E ESSA É UMA HISTORIA DO SANGUE REAL.

Edivaldo Júnior disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Edivaldo Júnior disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Edivaldo Júnior disse...

Incrível a letra de Chico Buarque, com toda sua subjetividade... Entendi como válidas as interpretações que falam de hipocrisia e ingratidão.

Agora, dizer que o "Zepelin com seu comandante" é Jesus Cristo...
"Ele fez tanta sujeira
Lambuzou-se a noite inteira
Até ficar saciado
"

Quem fez tanta sujeira? Quem lambuzou-se a noite inteira? Jesus? Com certeza, não!

Por esse trecho, algúem pode ser considerado 'herege': ou Chico Buarque ou quem teve essa interpretação.

Venezuela habla cantando disse...

Amei a análise que você fez dessa música, sempre me fascinou, mas essa canção de Chico Buarque geni e Zeppelin sempre foi um enigma para mim, juntamente com o fato de que só entendem Português hehe e, embora ele canta em espanhol foram algumas frases difíceis de entender. Obrigada por escrever

Venezuela habla cantando disse...

Amei a análise que você fez dessa música, sempre me fascinou, mas essa canção de Chico Buarque geni e Zeppelin sempre foi um enigma para mim, juntamente com o fato de que só entendem Português hehe e, embora ele canta em espanhol foram algumas frases difíceis de entender. Obrigada por escrever

Anônimo disse...

A música é baseada no conto “Bola de Sebo” de Guy de Maupassant. Vale a pena ler o conto e observar a intertextualidade.